Desde 2007 que a APREN contribui com o seu Anuário com o intuito de detalhar o universo da produção de eletricidade renovável em Portugal, permitindo, assim, que este seja entendido por todos os leitores. O ano de 2022, marcado pela guerra na Ucrânia, veio salientar a importância do tema da segurança de abastecimento e dependência energética, reforçando ainda mais a importância deste setor para o nosso país, quer no presente, quer no que diz respeito ao nosso futuro. Falo-vos, sem dúvida, de um documento que já é um marco para o setor elétrico e que vem sendo utilizado como ferramenta de trabalho por cada vez mais entidades.

A presente edição, tal como nos anos anteriores, explora os principais dados e indicadores de geração e produtibilidade do setor elétrico renovável, incluindo análises de foro ambiental e macroeconómico, principais novidades e modificações na legislação, e o portefólio de todos os centros electroprodutores renováveis dos nossos Associados. Adicionalmente, quisemos espelhar também a relevância dos Associados não produtores, incluindo uma secção dedicada à potência a instalar por tecnologia pelos Associados que se encontram com projetos em desenvolvimento.

Em 2022, a APREN contou com um total de 160 Associados, repartidos pelas categorias de Produtores (82 Associados), Serviços e indústria (117 Associados), Singular (1) e Mérito (2 Associados). Isto significa que em termos de representatividade global, a APREN representa 89% do setor da eletricidade renovável em Portugal, que se traduz por uma quota de 99 % da potência instalada eólica, 93% da pequena hídrica, 96% das grandes centrais hídricas, 49 % da solar fotovoltaica, 39% da biomassa e 100% da geotermia.

Considerando as centrais de produção de eletricidade a partir de fontes renováveis, o Anuário 2023 apresenta: 11 centrais a biomassa (334 MW), 238 centrais eólicas (5 368 MW), 46 grandes centrais hídricas (6 737 MW), 96 pequenas centrais hídricas (379 MW), 89 centrais solares fotovoltaicas (767 MW) e 3 centrais geotérmicas (33 MW). Estes dados correspondem a um total de 483 centrais renováveis com uma potência de 13 618 MW.

Seguindo a normalização da Diretiva (UE) 2018/2001, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis, o consumo final de eletricidade nacional resultante de energias renováveis, representou 59,8% do total, maioritariamente suportado pela tecnologia eólica, que representou 25,5% e pela hídrica, neste caso, 21,2%1. Tendo isto em conta, verificou-se um ano médio de produtibilidade eólica, que registou um índice de eolicidade de 0,99, mas no sentido oposto o índice de hidraulicidade ficou consideravelmente abaixo da média com o valor de 0,63, tendo sido um ano bastante seco. O índice de solaridade, que se manteve estável nos últimos sete anos, apresentou em 2022 o valor de 0,78.

Os dados referentes à produção de eletricidade a partir de fontes renováveis indicam uma contribuição de: 6,5 TWh da tecnologia hídrica mais 2,3 TWh de produção em bombagem, 13,1 TWh da tecnologia eólica, 3,3 TWh da bioenergia, 0,17 TWh da geotermia e 2,6 TWh da fotovoltaica mais 0,7 TWh em autoconsumo. Em relação às centrais a combustíveis fósseis, destaca-se, negativamente, o gás natural com 14,0 TWh, as centrais de cogeração fóssil que contribuíram com 2,7 TWh e as centrais a fuel e gasóleo com 1,0 TWh. Em 2022, não foi produzida eletricidade a partir do carvão, em consequência do encerramento das centrais a carvão ao longo de 2021.

Principalmente no ano 2022, com a escalada do preço de eletricidade do mercado grossista Ibérico, é importante relembrar e realçar que o setor da eletricidade renovável teve e continuará a ter um papel fundamental enquanto seguro de proteção para o consumidor contra a abrupta subida de preços de eletricidade, uma vez que a produção de eletricidade com tarifa garantida passou a trazer um benefício económico para o sistema, gerando um sobre ganho para o SEN e, consequentemente, uma poupança para os consumidores. Todos estes fatores, evidenciam a importância da eletricidade renovável para a sociedade, economia e ambiente, sendo de destacar ainda os seguintes factos:

• Uma poupança em importações de gás natural de 5 052 M€, um crescimento substancial face ao ano anterior devido ao aumento significativo do preço do gás;
• 8,0 Mt de emissões de CO₂ equivalente evitadas;
• Evitados 557 M€ em licenças de emissão de CO₂;
• 1 053 M€ poupados em eletricidade importada.

A análise dos dados acima mencionados deve sempre ter em conta a particularidade de 2022 ter ficado marcado pela guerra na Ucrânia, e o aumento do preço do gás natural devido às sanções por parte da União Europeia, que teve repercussões bem vincadas e visíveis no setor elétrico. Verificou-se um aumento no consumo de eletricidade de 3,6% (53 118 GWh em 2021 para 55 027 GWh em 2022), o que está associado retoma total da atividade pré-pandemia, e a um aumento da eletrificação. Observou-se uma redução da incorporação renovável, em termos de produção de eletricidade, devido à seca extrema que afetou Portugal continental, tendo atingido os valores mensais de produção hídrica mais baixos nos últimos 10 anos nos meses de junho a setembro.

Em termos legislativos, ao nível europeu, o ano ficou marcado com o lançamento, pela Comissão Europeia, de um novo pacote legislativo, o REPowerEU. Este pacote, foi desenhado com o intuito de aumentar a produção renovável e a poupança energética, e consequentemente a independência energética dos países da Comissão Europeia. Uma decisão aplaudida pelo setor que surpreendeu, logo à partida, por definir em 45% a nova meta de incorporação de fontes renováveis (face aos anteriores 40% definidos no Fit-for-55) no consumo final de energia da União Europeia (UE). O pacote colocou ainda como metas a instalação de 65 GW de eletrolisadores para produção de hidrogénio verde até 2030, para produção de 10 Mt/ano, a instalação de mais 320 GW de potência solar fotovoltaica até 2025, e 592 GW até 2030, a instalação de 510 GW de potência eólica até 2030, o aumento de 13% na meta vinculativa prevista na Diretiva Eficiência Energética, e 3 000 M€ de apoios aos projetos para a descarbonização industrial.

A nível nacional verificou-se a tão aguardada revisão da legislação do setor elétrico, na qual a APREN participou ativamente, com a publicação do novo Decreto-Lei do Sistema Elétrico Nacional (DL 15/2022), onde são transpostas parcialmente as Diretivas Europeias de Mercado e das Renováveis. Assegura-se, assim, que o país acompanha o desenvolvimento das ferramentas necessárias para cumprir as metas a que se propôs enquanto Estado-Membro. Em junho de 2022, os governos de Portugal e Espanha criaram o mecanismo ibérico de limitação do preço do gás natural para a formação do preço de eletricidade produzido por centrais de ciclo combinado a gás natural. O chamado “cap ao gás” estabeleceu um limite de 40 €/MWh ao preço do gás natural para produção de eletricidade, que contribuiu com uma poupança aos consumidores de 489 M€ em 2022.

Ainda em junho, o primeiro-ministro anunciou a meta de 10 GW de potência instalada de energia eólica offshore a serem atribuídos até 2030, com o primeiro leilão a ser lançado em 2023. Neste sentido, foi criado um grupo de trabalho para apresentarem contributos e recomendações para que sejam cumpridas as ambiciosas metas, considerando que atualmente existem apenas 25 MW instalados.

Foi anunciada a revisão do PNEC 2030, a ser realizada em 2023. Relativamente às metas atuais, foi antecipada de 2030 para 2026 a meta de 80% de incorporação renovável na produção de eletricidade, e foi aumentada a meta do peso das renováveis no consumo final de energia para 49%. Nos transportes, a meta para incorporação de renováveis para 2030 é de 29%.

O ano de 2022 ficou ainda marcado pela simplificação dos processos de licenciamento, para ser possível cumprir as metas estabelecidas. Em março, o Despacho Conjunto da APA e da DGEG veio simplificar o licenciamento das unidades de pequena produção solar. No mês seguinte, o Governo publicou o Decreto-Lei n.º 30-A/2022, com o objetivo de assegurar a entrada em funcionamento dos procedimentos de produção por fontes renováveis, e já em outubro foi publicado o Decreto-Lei n.º 72/2022, para acelerar a instalação de centrais solares. O ano terminou com o anúncio de novas medidas no âmbito do SIMPLEX, nomeadamente a eliminação da necessidade de análise caso-a-caso em várias situações, a necessidade de AIA para substituição de equipamentos (cumprindo determinadas condições), e a eliminação de AIA para a produção de hidrogénio verde. Todos estes avanços na legislação nacional foram conseguidos devido ao espírito de colaboração e de harmonia com todas as entidades envolvidas na condução deste setor, com especial destaque para: o Ministério do Ambiente e Ação Climática, Ministério das Finanças, Ministério da Economia e do Mar, Ministério das Infraestruturas e respetivas Secretarias de Estado, DGEG, APA, REN, E-Redes, SU Universal, ERSE, ENSE, as CCDRs, o ICNF, LNEG, DGPC, ARSs e as Câmaras Municipais. Todavia, não posso deixar de agradecer a todos estes atores pela estreita interação que têm mantido com a APREN, referindo que a porta da Associação estará sempre aberta a todas elas para dar continuidade ao diálogo e debate aberto rumo à descarbonização.

Concluo com uma nota pessoal. É com orgulho que vi a Associação continuar a crescer, quer em termos de Associados, quer em número colaboradores (aos quais muito agradeço pelo trabalho que têm vindo a desenvolver e sem os quais os resultados alcançados não seriam exequíveis) ao longo do meu quarto ano de mandato, tendo reforçado, claramente, a minha convicção da crescente e incontornável importância do setor da eletricidade renovável em Portugal e na Europa, porque:


Portugal precisa da nossa energia.